Empresas familiares intensificam M&A no Brasil diante de sucessão delicada, governança frágil e pressão de novos competidores

*Por Marcus Coelho

Sob forte pressão de processos de sucessão complexos, fragilidade de governança e o avanço de concorrentes mais ágeis, empresas familiares brasileiras têm buscado nas fusões e aquisições (M&A) um caminho estratégico para garantir continuidade, liquidez e modernização institucional. O movimento acompanha uma tendência global.

De acordo com o índice dos 500 maiores negócios familiares do mundo, elaborado pela EY em parceria com a Universidade de St. Gallen, essas empresas registraram receita de US$ 8,8 trilhões em 2024, um crescimento de 10% em relação ao ano anterior, e empregam 25,1 milhões de pessoas. Em média, 47% delas estiveram envolvidas em ao menos uma transação de M&A no período. No Brasil, o ritmo é mais lento, mas há uma aceleração perceptível.

O grande obstáculo para a continuidade de empresas familiares no país é, sobretudo, o déficit de governança. Segundo a EY Brasil, a gestão ainda é profundamente concentrada nos sócios-fundadores, com decisões tomadas de forma centralizada e pouco preparo técnico para lidar com processos complexos de transição. Esse modelo, além de atrasar decisões estratégicas, distorce a percepção do valor real do negócio.

Nesse contexto, a profissionalização voluntária, com conselhos consultivos, mentoria estruturada e avaliação de competências, surge como ferramenta para aumentar as chances de sucesso. Entretanto, especialistas alertam que soluções improvisadas raramente funcionam e que, cada vez mais, a venda total ou parcial da companhia via M&A é considerada uma alternativa viável. Mais de 50% das empresas familiares já avaliam essa opção para lidar com sucessão, gerar liquidez e permitir a entrada de novos recursos. O desafio, contudo, é que cerca de 70% dessas operações não atingem suas metas de criação de valor, em grande parte por falhas de integração cultural, erros de valuation e falta de planejamento pós-aquisição.

Casos recentes ilustram a força dessa tendência no mercado brasileiro. Em janeiro de 2025, a JBS concluiu a compra de 50% da Mantiqueira Brasil por R$ 1,9 bilhão, fortalecendo sua posição no setor de alimentos. Em maio do mesmo ano, Marfrig e BRF anunciaram fusão para criar a MBRF Global Foods Company, com faturamento conjunto de R$ 152 bilhões nos 12 meses anteriores, formando a segunda maior empresa do setor no mundo, atrás apenas da JBS. A operação foi aprovada pelo CADE em junho, mas ainda enfrenta questionamentos da Minerva Foods sobre a concentração de mercado.

O cenário que se desenha para os próximos anos revela que a sucessão será o principal gatilho para a decisão entre profissionalizar a gestão ou abrir mão parcial ou totalmente do controle. As famílias empresárias se veem pressionadas a adotar práticas de governança mais robustas, realizar avaliações realistas de seus ativos e lidar com uma nova geração de herdeiros que valoriza propósito e equilíbrio de vida, nem sempre disposta a assumir o comando. Nesse ambiente, a atuação de advogados e consultores especializados se torna essencial para conduzir processos que envolvem desde a reestruturação societária e o planejamento tributário até a mediação de conflitos e a definição de estratégias pós-M&A.

O futuro das empresas familiares brasileiras dependerá da capacidade de equilibrar a preservação do legado com a adaptação às exigências de um mercado cada vez mais competitivo. M&A desponta como uma resposta pragmática para sobrevivência e crescimento, mas sua eficácia estará condicionada à adoção de práticas profissionais, transparência e visão estratégica sustentada em dados concretos — e não em expectativas idealizadas.

*Marcus Coelho é advogado, negociador e conselheiro de empresas

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