A Falência do Judiciário Cearense: A Luta Diária da Advocacia Contra a Ineficiência e a Burocracia
* Hervelt César
O sistema judiciário do Ceará, assim como o nacional, enfrenta uma profunda crise estrutural e operacional, marcada por um cenário que beira o colapso. O Judiciário Brasileiro, em sua tentativa de “fazer mais com menos”, precariza suas próprias estruturas, resultando em comarcas preenchidas por terceirizados sem o devido conhecimento técnico, contratados em condições de trabalho desvalorizadas, com baixas remunerações e quase nenhum treinamento ou qualificação. Esses trabalhadores, ao invés de contribuírem para a solução do problema, muitas vezes o agravam, tornando o exercício da advocacia no estado uma jornada penosa e frustrante.
A escassez de recursos levou o Judiciário a buscar alternativas que, na prática, prejudicam a eficiência do sistema. A terceirização da mão de obra, aliada à contratação de servidores sem o suporte necessário, desvaloriza o serviço prestado à população e impede a melhoria da qualidade técnica das decisões e da gestão processual. Dessa forma, os princípios constitucionais do acesso à justiça e da celeridade processual, que deveriam nortear o funcionamento do sistema judiciário, tornam-se promessas vazias.
Entre os problemas mais graves enfrentados estão os absurdos atrasos na confecção de alvarás e assinaturas por parte dos magistrados. Em algumas unidades, a espera pela confecção de um simples alvará chega a ser superior a 90 dias, seguida por mais 60 dias, no mínimo, para que o juiz assine o documento. Esses prazos excessivos não só retardam a tramitação dos processos, mas também afetam diretamente o direito dos cidadãos ao recebimento de valores e garantias que, em tese, já deveriam estar assegurados.
Além disso, a centralização de atos processuais nas Secretarias Judiciárias de 1º e 2º graus tem tornado o trabalho dos advogados ainda mais árduo. Ao retirar das varas a autonomia para gerenciar diretamente determinados atos processuais, o sistema não só se torna mais burocrático, como também sobrecarrega uma estrutura já saturada. Essa centralização impessoaliza o atendimento, distancia os advogados dos processos e fragiliza ainda mais a já precária comunicação entre os operadores do direito e o Judiciário.
Diante desse cenário, a sociedade enfrenta uma importante encruzilhada: o Estado precisa decidir quais são suas verdadeiras prioridades. Vai continuar insistindo em políticas sociais compensatórias, que alocam grandes parcelas do orçamento público a benefícios sociais variados, desestimulando o trabalho produtivo? Ou será que o governo finalmente investirá na valorização das pessoas que trabalham e produzem, gerando riqueza e desenvolvimento? A falta de uma resposta clara a essa questão tem impacto direto no funcionamento do Judiciário e, por consequência, no acesso à justiça.
Um exemplo claro dessa contradição é a recente Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2024, que determinou que os precatórios e as Requisições de Pequeno Valor (RPVs) sejam expedidos em favor do beneficiário originário. No entanto, após um longo processo judicial, os herdeiros ainda precisam habilitar-se junto à Caixa Econômica Federal ou ao Banco do Brasil para receber valores, inclusive os honorários destacados em favor do advogado da causa.
A burocracia e o descaso são tão grandes que, ao comparecerem a essas instituições financeiras, advogados enfrentam longas filas, perdendo dias inteiros de trabalho para receber o que é seu por direito. Isso se deve, em grande parte, ao fato de que esses bancos estão abarrotados de pessoas buscando benefícios sociais, como o Bolsa Família, o auxílio gás, entre outros programas assistenciais, que, embora importantes, acabam por sobrecarregar ainda mais o sistema e desestimular a produção e o trabalho.
Essa realidade exaustiva, com longos períodos de espera e obstáculos burocráticos intermináveis, faz com que o exercício da advocacia se torne ainda mais desgastante. Não apenas os advogados, mas também seus clientes, sofrem com um sistema que não valoriza o trabalho e a produção. Em vez de promover o desenvolvimento, o Judiciário, tal como está estruturado, perpetua um ciclo de ineficiência que emperra o crescimento social e econômico do país.
Se quisermos mudar essa realidade, é fundamental que a sociedade e os profissionais do direito pressionem o governo a tomar uma decisão clara: priorizar o fortalecimento de estruturas que impulsionam o trabalho e a geração de riqueza, ou continuar a alimentar um sistema que, ao invés de resolver os problemas, apenas os perpetua. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) deve atuar incisivamente, cobrando reformas profundas no Judiciário e a valorização dos servidores. Mais que um pleito corporativo, trata-se de uma demanda urgente por uma justiça mais célere e eficiente, que sirva como pilar para uma sociedade mais justa e produtiva.
Em última análise, o acesso à justiça e a celeridade processual são direitos de todos os cidadãos. Somente com um Judiciário fortalecido e com condições adequadas de trabalho será possível garantir a efetivação desses direitos fundamentais e assegurar que o desenvolvimento social e econômico do país não seja mais refém de um sistema ineficiente e obsoleto.
*Hervelt César é advogado e jornalista profissional