Quando a falta de cidadania ultrapassa gerações e a Defensoria Pública é a solução para ausência do registro civil

Desde 2021, a jovem Maria Raquel Costa de Lima é acompanhada pela Defensoria Pública do Estado do Ceará. Quando chegou à instituição, em outubro daquele ano, a certidão de nascimento dela “só” tinha um nome: Raquel. Ela não tinha sobrenome, nem genitores registrados na certidão de nascimento. Após ação da DPCE, em maio de 2022, Raquel recebeu o registro retificado. Agora, a jovem de 19 anos está organizando a documentação para ajustar a certidão de nascimento da filha. A criança, Raquelly, de cinco anos, assim como a mãe, também não teve o sobrenome na certidão de nascimento.

A história perpassada de mãe e filha se assemelha a tantos brasileiros. Raquel chegou aos três anos na casa da família Costa Lima. A mãe de criação, Maria de Fátima, não teve tempo de ajustar um processo adotivo e faleceu. Coube à filha, Rosilene Lima, assumir a maternidade de Raquel. “A gente conseguiu fazer a certidão de nascimento dela só com Raquel para poder se matricular no colégio. Só um colégio aceitou e sempre foi uma dificuldade grande para resolver qualquer coisa”, conta Rosilene Lima, 38 anos.

Raquel não completou os estudos, teve dificuldade para realizar exames e consultas em posto de saúde ou hospitais, não emitiu RG, nem CPF,  não tem título de eleitor e até hoje não tomou as vacinas contra a Covid-19. Na manhã desta segunda-feira (16.01), com o registro de nascimento retificado, ela esteve na sede da Defensoria Pública, em Fortaleza, para receber as orientações  e dar entrada nas ações necessárias para retificar o registro de nascimento da filha.

Foi encaminhada para o Vapt Vupt do bairro Messejana. Lá, uma equipe de técnicos do projeto Sim, Eu Existo! estava aguardando a jovem. O projeto é desenvolvido por equipes da Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci), que trabalham de forma integrada com outras secretarias e instituições para assegurar os passos essenciais para o exercício da cidadania. Ela emitiu a segunda via do RG e um novo atendimento foi marcado para o dia 30 de janeiro, para receber o documento e emitir o CPF e o título de eleitor.

“Provavelmente, vamos corrigir a certidão de nascimento da criança de forma administrativa, por meio dessa parceria que temos com a Funci, mas antes disso precisamos ter a certeza que a Raquel vai ter acesso a todos os documentos e assim poder assegurar os direitos de sua filha também, fazendo com que as políticas públicas cheguem de forma eficaz nessa família.  Estamos diante de um caso onde se concretiza a ausência de cidadania sendo repassada de geração em geração e o nosso trabalho é tentar propiciar a essas pessoas o direito de elas exercerem com plenitude a cidadania”, destacou a defensora pública Natali Massilon Pontes, que acompanha o caso desde o início.

A defensora pública complementa que Raquel já passou uma vida inteira sem o registro de nascimento completo. Além disso, por ser uma família de extrema vulnerabilidade, projetos sociais e programas governamentais não estão chegando a elas. “Então, resolvemos encaminhar para o projeto, porque temos uma parceria firme nessa questão e eles vão poder identificar outras ausências e dar os encaminhamentos necessários”, pontua Natali.

Natali é supervisora do Núcleo de Atendimento e Petição Inicial da Defensoria Pública. O local é porta de entrada para ações dessa natureza. A defensora orienta que todos que estão passando por uma situação semelhante busquem atendimento. “As pessoas que não possuem certidão de nascimento por algum motivo devem procurar orientação jurídica, se dirigindo a qualquer núcleo da Defensoria para que a gente escute a situação. Pode ser que não seja um caso de adoção. Pode ser mesmo apenas o reconhecimento de maternidade ou paternidade. Cada caso vai ser avaliado e nós vamos dar o direcionamento correto para que a pessoa, o mais rápido possível, possa ter o seu registro de nascimento. E a partir dali possa exercer sua cidadania”.

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